Você já sentiu que não amou o suficiente? Enfretando o remorso e a perda.

Devagar

perda e luto
Fotografia e edição: Claudine Bernardes. “Agut”

Cada passo era um suplício. Um pé depois outro, com dificuldade, com dor, no entanto sem perder a determinação de costume. Caminhou assim durante 20 metros que lhe pareceram 20 quilômetros. Sentou-se devagar sobre um banco de madeira (que nunca antes havia notado, apesar de que sempre esteve ali) e sentiu uma dor incômoda no quadril. O sorriso que sempre fora seu companheiro inseparável já não estava mais com ela. Sua pele apagada e seus olhos arrugados de dor lhe conferiam mais anos do que realmente tinha. Esperava. Enquanto esperava observou o mundo ao seu redor. Tudo continuava igual, no entanto ela havia mudado. As pessoas entravam e saíam apressadamente pela porta automática; numa ambulância chegava alguém cuja vida estava por um fio; uma senhora caminhava rapidamente carregando documentos debaixo dos braços. “Ilhas! Todos somos ilhas!” – constatou resignada. “- Vivemos isoladas no nosso próprio microclima.” Depositou a mão sobre o ventre e lembrou-se que estava vazio. Outra vez a dor dominou seus sentidos. No entanto, não se tratava de uma dor física, que esta também estava, era outra dor. A dor de quem não havia amado o suficiente. A violenta dor de quem só percebera sua falha depois de haver perdido. Duas semanas antes era tudo distinto. Havia atravessado as portas do hospital com a ilusão de ver, pela primeira vez, o seu pequeno bebê. Naquele momento o sorriso ainda era seu companheiro. Conversou de forma descontraída com a ginecóloga, segurou firme a mão do seu marido, enquanto o aparelho de ultrassom percorria seu ventre e… e percebeu…

O sorriso da médica havia desaparecido, algo estava errado. O pequeno corpo estava inerte, já não havia mais vida dentro dela, constatou. Seu pequeno coração havia deixado de bater há quatro semanas, e durante essas quatro semanas, seu ventre havia sido um sepulcro, sem que ela tivesse percebido. O carro parou há poucos metros, e ela levantou-se devagar para evitar a dor. Porém, a maior dor não podia ser evitada, porque dentro de si sabia que não havia amado o suficiente.                       (por Claudine Bernardes)

Perder alguém sempre produz muita dor, posso dizer isso desde o ponto de vista de quem já sofreu muitas perdas. Me lembro o quanto sofri, o quanto chorei ao ver o corpo sem vida do meu pai, quando tinha apenas sete anos. Chorei desconsoladamente durante horas, chorei durante dias, até que pouco a pouco a dor foi passando. Porém a dor da perda, somada ao remorso é algo que pode realmente ser destrutivo. Muitas pessoas caem em depressão depois de sofrer esse tipo de sucesso. Filhos que não deram o melhor de si aos seus pais; pais que não demonstraram o amor como deveriam; maridos e esposas que somente perceberam o quanto amavam depois de haver perdido. Se você está passando por essa experiência, deixo algumas sugestões que poderão ajudá-lo:

1 – Faça luto: é possível que muitas pessoas com o afã de ajudá-lo, ou por simples insensibilidade, digam-lhe para não chorar. “Levante a cabeça e siga adiante”, deverá escutar com frequência. Porém, antes de levantar a cabeça e seguir adiante é importante passar por um período de luto. O que é o luto? Segundo a definição do Dicionário Priberam, luto Processo durante o qual um indivíduo consegue desligar-se progressivamente da perda de um ente querido. A psicóloga Clarissa de Franco aclara que “O processo de luto é necessário para a reconstrução do lugar do sujeito que perde alguém. E como todos lidarão com perdas um dia, é importante que se construa um espaço coletivo que legitime o luto como um recurso de saúde não só para o enlutado, mas também para a sociedade. O processo de luto devolve ao enlutado a chance de uma nova história.”  Por isso, chore sem medo, é um direito e uma necessidade sua.

2 – Aceite o apoio de seus amigos e famílias: é normal depois de uma perda, buscar um espaço próprio para viver um tempo de luto. Eu necessitei desse espaço! Pedi aos meus amigos que que orassem pelo meu restabelecimento emocional, no entanto também lhes pedi que me dessem um espaço, que não me chamassem por telefone, ou tentassem conversar comigo sobre minha perda, até que eu me sentisse em condições de falar sobre o tema sem desmanchar-me em lágrimas. Por outro lado, ter pessoas ao meu redor, como meu marido ou minha mãe, que sem a necessidade de dizer-me nada, me serviam de apoio moral me ajudou muito.

3 – Expresse seus sentimentos: Depois que você já estiver em condições de falar sobre sua perda, exteriorize seus sentimentos. Converse com pessoas de sua confiança. Se você se sente culpável por não ter dado o seu melhor; se o remorso lhe está sufocando, falar sobre o tema pode ajudá-lo a ver as coisas de forma diferente ao colocar voz a este sentimento. Outras pessoas preferimos transformar os sentimentos em palavras, se esse é o seu caso, adiante! Posso assegurar que também funciona.

4 – Perdoe-se: Ninguém é infalível e você muito menos. Todos nos equivocamos, aceite essa realidade, perdoe-se e aprenda com essa experiência. Tenha em conta que autoflagelar-se com o remorso pode transformá-lo em uma pessoa amargada e impedi-lo de amar aos que ainda estão ao seu lado.

5 – Busque o consolo em Deus: Talvez você me responda “Não posso fazer isso porque não sou uma pessoa religiosa.” Que bom! Eu também não. Deus não é religião, ele é AMOR e amor é uma relação. Em Mateus 11:28, Jesus disse: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” Converse com Ele, conte as suas penas, chore, peça perdão e libere perdão. Com a experiência de quem viveu a perda e o remorso em primeira pessoa, posso te garantir que receber o abraço de Deus ajuda um montão.

Por último, tenha em conta que tudo nessa vida passa. Deixe a vida fluir, porque “o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã.” (Salmo 30:5b). Recomendo a leitura dos artigos: Version: “Como lidar com pessoas que estão enfrentando o luto?” e  “O que não dizer a uma pessoa em processo de luto“, escritos pelas psicólogas Elaine Cristina Aguiar Fernandes e Nazaré Jacobucci (sucessivamente).

a alegria vem pela manhã
Fotografia e edição: Claudine Bernardes

Se você viveu algo semelhante e quer compartilhar sua experiência conosco, será um prazer ler os seus comentários. Lembre-se que “A Caixa de Imaginação” é um canal aberto, por isso nos alegra receber seus comentários e contar com a sua participação. Também, gostaríamos de perdir-lhe que compartilhe com seus amigos esse post, dessa forma você poderá ajudar a outras pessoas. (Pincha para leer el texto en español: “Despacio”)

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5 comentários sobre “Você já sentiu que não amou o suficiente? Enfretando o remorso e a perda.

  1. Belo artigo e sábias palavras, realmente é um passo a passo… e como diz minha psicóloga temos que ter somente a dor (ela é eterna, fica guardada em um lugarzinho em nosso coração), agora já o sofrimento é aquele em que ficamos massacrando nosso “eu interior” no qual precisamos nos libertar para que o novo possa vir… Deus é muito misericordioso, e teve paciência comigo em esperar eu ter todos os meus momentos: revolta, tristeza, culpa, luto, aceitação, e o de virar a página que é o momento que graças a Ele estou vivendo agora, depois de 7 meses…. Cada um tem seu tempo, mas que tenhamos sabedoria para entender que realmente “Tudo ha seu tempo!”… Obrigada por compartilhar sua experiência.. Abraços! Cheila:)

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